MÃE PODE PERDER A GUARDA DOS FILHOS SIM: O Que a Lei Diz Quando o Interesse da Criança Está em Risco
A guarda dos filhos não é direito da mãe — é dever de proteção da infância
Introdução
Durante muito tempo, houve uma crença generalizada de que, em casos de separação, a guarda dos filhos pertenceria automaticamente à mãe. Essa ideia, embora ainda presente no imaginário coletivo, não encontra mais respaldo nos tribunais brasileiros nem nos fundamentos legais que orientam o Direito das Famílias.
Hoje, o que prevalece e deve prevalecer, é o melhor interesse da criança, que vai muito além de vínculos afetivos, da convivência cotidiana ou da função tradicional atribuída à figura materna. A guarda dos filhos deixou de ser uma disputa entre genitores para se tornar um compromisso jurídico e emocional com a proteção da infância. E nesse contexto, a mãe pode, sim, perder a guarda dos filhos quando seu comportamento compromete o desenvolvimento saudável da criança.
Muitas vezes, esse comprometimento não se dá por negligência direta, mas por posturas emocionais desequilibradas, por atos de alienação parental ou pela insistência em transformar a separação conjugal em uma disputa prolongada, onde os filhos são colocados como mediadores ou troféus. Nessa guerra velada, ambos os pais saem feridos, mas a criança, quase sempre, é quem mais perde.
Este artigo foi construído a partir de jurisprudências recentes e de minha experiência profissional acompanhando mães que, embora bem-intencionadas, precisaram enfrentar duras consequências judiciais por não compreenderem que amar um filho exige muito mais do que presença, exige responsabilidade emocional, maturidade diante do conflito e disposição para o diálogo.
Se você é mãe, pai ou familiar envolvido em uma situação de guarda ou separação com filhos, este conteúdo vai te ajudar a compreender como o sistema jurídico tem interpretado essas situações e, mais do que isso, como é possível agir com estratégia, sensibilidade e inteligência emocional para proteger quem mais importa: seus filhos.
O que a lei diz e como os tribunais têm decidido
Guarda é responsabilidade, não um direito exclusivo de gênero
A Constituição Federal (art. 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil determinam que os filhos têm direito à convivência familiar equilibrada e à proteção integral. Isso significa que nenhum genitor — seja mãe ou pai — pode utilizar a guarda como instrumento de controle, manipulação ou vingança emocional.
O artigo 1.584 do Código Civil estabelece que a guarda deve atender “ao melhor interesse do menor”. E esse interesse é avaliado à luz de laudos técnicos, manifestações da criança e histórico de convivência, não por expectativas sociais.
Casos de alienação parental são gravíssimos e podem levar à perda da guarda
Como advogada de famílias com ampla atuação em litígios dessa natureza, testemunhei diversas situações em que mães acabaram perdendo a guarda por causa de comportamentos que indicavam alienação parental, ou seja, atos que afastavam ou tentavam desqualificar o vínculo da criança com o pai. Em muitos desses casos, a criança, após alguns meses, começava a apresentar desconforto, ansiedade, depressão e até mesmo rejeição ao genitor alienante, como forma inconsciente de se libertar daquele ambiente tóxico.
Essas situações têm desfecho sério: é possível, e infelizmente comum, a concessão de reversão da guarda para o outro genitor, ou até o afastamento da criança de ambos os pais.
Jurisprudência reforça: guarda pode ser revertida e, em casos extremos, a criança pode ser acolhida institucionalmente
Em abril de 2025, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu decisão no Agravo de Instrumento n.º 5350433-34.2023.8.21.7000/RS, na qual determinou o acolhimento institucional da criança, após constatar indícios de maus-tratos, alienação parental e ambiente familiar tóxico por parte de ambos os genitores. A relatora, Des.ª Sandra Brisolara Medeiros, afirmou que os pais viviam em “eterno litígio, não compreendendo as obrigações parentais”, colocando a criança em risco físico e psicológico.
Nesse caso, o menor João Guilherme declarou que não queria mais residir com o pai, alegando maus-tratos. Ao mesmo tempo, a mãe era acusada de manipular emocionalmente a criança. O Judiciário, entendendo que nenhum dos genitores apresentava condições psicológicas e parentais no momento, optou por medida extrema: acolhimento institucional na Casa Lar, até avaliação de outros familiares.
Essa decisão deixa claro que a guerra entre os pais nunca deve envolver os filhos como escudos emocionais.
Quando procurar ajuda? Sempre no primeiro sinal
A reversão de guarda, o afastamento da criança e o acolhimento institucional são medidas extremas. Contudo, elas não surgem do nada — são o resultado de anos de conflitos mal conduzidos, de falta de orientação jurídica adequada e de atitudes impensadas.
Por isso, famílias devem estar atentas aos primeiros sinais de alienação parental ou negligência afetiva. Quando a criança começa a demonstrar desconforto, se recusa a visitar um dos pais, apresenta sintomas emocionais sem explicação ou quando um dos genitores começa a criar obstáculos ao convívio familiar saudável, é hora de agir.
Prevenir é melhor que litigar: terapia, plano de parentalidade e consciência emocional dos pais
Um dos maiores equívocos cometidos por pais em processo de separação é acreditar que basta organizar juridicamente a guarda dos filhos para resolver todos os conflitos familiares. A separação, quando não bem elaborada emocionalmente, tende a se perpetuar através dos filhos — e o que era para ser um recomeço, torna-se uma disputa silenciosa (ou ruidosa) pelo afeto da criança.
Muitos pais, ao invés de buscarem ajuda terapêutica para si mesmos, direcionam a criança para psicólogos, com o objetivo oculto de produzir provas de que o outro genitor estaria causando danos. Mas, na prática, essa estratégia apenas desloca o conflito conjugal para a esfera psíquica da criança. E é exatamente nesse ponto que ocorre um dos danos mais silenciosos e perigosos do pós-divórcio: a tentativa de proteger que, na verdade, agride.
Na ânsia de “ter o filho para si”, muitos pais acabam caindo numa armadilha emocional: praticam, sem perceber, atos de autoalienação parental. Ou seja, ao tentarem fazer com que a criança os ame mais, desqualificam sutilmente o outro genitor — e nesse jogo, a criança perde a confiança em ambos. O resultado? Filhos que crescem inseguros, ansiosos, com dificuldades afetivas e resistência ao vínculo com qualquer das figuras parentais. A criança passa a viver um dilema interno de lealdade que, na prática, a coloca em risco emocional.
Diante disso, a melhor alternativa para casais que desejam exercer uma parentalidade responsável e respeitosa é a construção de um plano de parentalidade completo e realista. Muito além de definir dias de visita e horários fixos, o plano de parentalidade deve ser entendido como um pacto ético entre os pais, com o suporte técnico de um advogado de famílias e, sempre que possível, com o acompanhamento terapêutico individual ou em coparentalidade.
Esse plano deve prever não só a logística da convivência, mas também acordos sobre a educação, saúde, comunicação entre os pais, uso das redes sociais, participação em datas comemorativas e manejo de conflitos. Ele é um instrumento de prevenção de litígios, preservação da saúde emocional dos filhos e proteção da dignidade de ambos os genitores.
É importante compreender que a justiça pode definir guarda e visitas, mas não julga emoções. O juiz decide com base em provas objetivas. Os psicólogos e assistentes sociais envolvidos no processo avaliam o momento presente da criança — mas não podem reverter os traumas psíquicos de uma infância marcada por litígios parentais.
Embora a opinião da criança seja considerada em determinadas faixas etárias, ela deve ser interpretada com extremo cuidado. Nem sempre o que a criança verbaliza corresponde ao que, de fato, representa seu melhor interesse. Muitas vezes, o que ela expressa é apenas reflexo da lealdade a um dos pais ou do medo de desagradar o adulto que mais convive com ela. Por isso, agir com maturidade, buscar ajuda profissional e elaborar um plano consistente de parentalidade é o maior presente que pais separados podem dar a seus filhos.
Conclusão: é preciso coragem para refletir, maturidade para agir e responsabilidade para proteger
Quando falamos sobre guarda de filhos, não estamos diante de uma disputa sobre quem tem mais amor ou quem esteve mais presente, mas sim de uma responsabilidade profunda que exige equilíbrio, consciência emocional e compromisso com o desenvolvimento integral da criança.
Mães podem, sim, perder a guarda dos filhos — não porque amam menos, mas porque, muitas vezes, envolvidas na dor do término ou na tentativa de proteger, acabam adotando posturas que prejudicam o vínculo da criança com o outro genitor ou criam um ambiente emocionalmente instável. E o Judiciário, cada vez mais atento ao bem-estar das crianças, tem sido claro: o que se busca é proteger o menor, mesmo que isso signifique afastá-lo temporariamente de ambos os pais.
É urgente que mães e pais compreendam que o fim do relacionamento conjugal não pode marcar o início de uma guerra silenciosa travada através dos filhos. Separar-se com consciência é um ato de maturidade emocional. E isso começa com uma reflexão individual: como posso cuidar de mim para não transferir minhas dores ao meu filho?
A orientação jurídica é essencial, mas não suficiente. Pais que desejam exercer uma parentalidade verdadeira e responsável precisam buscar suporte emocional, investir em autoconhecimento, e principalmente, criar um plano de parentalidade que vá além do papel, que traduza valores, diálogo e respeito mútuo.
Porque, ao final, é disso que se trata: preservar a infância para não precisar reparar a vida adulta. E essa é uma escolha que começa hoje, com informação, escuta, planejamento e, acima de tudo, responsabilidade.
Você não precisa enfrentar isso sozinha
Se você está passando por um momento difícil na separação, ou se já sente que o seu relacionamento com os filhos pode estar sendo afetado pelos conflitos com o ex-companheiro, procure ajuda agora. Uma escuta qualificada, uma orientação jurídica correta e um bom planejamento podem evitar decisões irreversíveis no futuro.
👩⚖️ Sou Tatiana Fortes, advogada de famílias, e há mais de 15 anos acompanho mulheres que precisam tomar decisões difíceis com segurança e estratégia.
📍 Atendimentos online para todo o Brasil.
💻 Saiba mais e agende sua consulta em: https://tatifortes.adv.br
Bibliografia Jurídica Utilizada
• Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AI nº 1.0000.24.147183-8/001. Rel. Eduardo Gomes dos Reis. Julgado em 13/06/2024.
• Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AI nº 1.0000.24.110530-3/001. Rel. Ângela de Lourdes Rodrigues. Julgado em 30/08/2024.
• Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AI nº 5350433-34.2023.8.21.7000/RS. Rel. Sandra Brisolara Medeiros. Julgado em 31/01/2024.
• Constituição Federal, art. 227.
• Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, arts. 3º, 4º e 148.
• Código Civil, arts. 1.583, 1.584 e 1.634.