Vergonha, Silêncio e Dor: Minha Vida Depois de Dois Divórcios e Um Quase Casamento
Vergonha, Silêncio e Dor: Minha Vida Depois de Dois Divórcios e Um Quase Casamento
Por Tatiana Fortes – Advogada de Famílias | OAB/RS 78.321
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Durante vários períodos da minha vida, e não foi pouco, eu senti vergonha de andar nas ruas e encarar as pessoas.
Essa vergonha me levava a sair sem maquiagem, deixar o cabelo solto para esconder o rosto, vestir roupas escuras e sóbrias. Era uma tentativa inconsciente de me apagar. De me tornar invisível.
Eu não queria ser vista porque não sabia como explicar a mim mesma, muito menos aos outros, o fato de ter me divorciado pela segunda vez. E com duas filhas.
Meu maior medo? O que os outros iriam pensar.
Sentia que carregava no rosto uma marca de fracasso. Pensava que, aos olhos dos outros, aquilo era sinônimo de desequilíbrio, de instabilidade — ou pior, de algum defeito que só eu parecia carregar.
A vergonha era silenciosa, mas latejava no corpo em forma de dores, especialmente nos ombros, no peito e na coluna.
Era como se meu corpo gritasse o que minha boca não conseguia verbalizar:
“Por que tudo isso de novo?”
A resposta não veio de imediato. E, se você está vivendo isso agora, também não espere que venha de um dia para o outro.
O divórcio, principalmente o segundo, é um luto social e íntimo ao mesmo tempo.
Dói perder um projeto. Mas dói ainda mais lidar com a expectativa alheia de que você “devia saber o que estava fazendo”.
Não tenha vergonha de ser quem você é.
Você é tudo que nasceu para ser. Você é o seu maior tesouro, ainda que agora não consiga entender.
Eu sei que dói passar por um divórcio… Afinal, ninguém casa pensando em se separar.
O Primeiro Divórcio e o Peso do Século Passado
Eu tinha 25 anos quando me divorciei pela primeira vez.
Estamos falando do início dos anos 2000, uma época em que o divórcio ainda era mal visto.
A legislação exigia um ano de separação formal antes de permitir o pedido de divórcio em cartório. A Emenda Constitucional 66, que simplificaria esse processo, ainda demoraria uma década para chegar.
Naquele tempo, o divórcio não era apenas o fim de um relacionamento. Era uma sentença social.
Como ousa uma mulher jovem querer ser feliz de novo?
Como ousa sair de um casamento se ele “parece bom o suficiente”?
Fui julgada, sim. Pelas pessoas mais próximas.
Pelos colegas. Pela escola da minha filha, onde eu era a “mãe divorciada” que faltava às reuniões.
A mesma mãe que dividia o tempo entre a maternidade e a faculdade, sendo criticada por priorizar sua formação, por estar tentando melhorar e dar uma vida melhor à filha.
Como se isso fosse um pecado.
Fui chamada de imprudente, inconsequente, perigosa até, não para mim, mas para os casamentos alheios.
Como se o simples fato de ser uma mulher divorciada tornasse minha presença uma ameaça.
As pessoas não se dão conta de que elas são sua própria ameaça.
E não imaginam o quanto um simples olhar pode ser doloroso, capaz de arruinar um dia ou até matar um sonho.
O Segundo Divórcio e a Escolha de Me Reerguer
O segundo divórcio foi ainda mais doloroso, pois agora eu já era advogada.
Mas não advogada de famílias.
Trabalhava com Direito Previdenciário e, mais uma vez, havia me casado sem planejamento.
Mais uma vez, sob o regime da comunhão universal de bens.
Mais uma vez, sem refletir juridicamente sobre o amor.
Foi então que, forçada pelas circunstâncias, precisei advogar em causa própria.
E ali, naquela audiência, entre petições e lágrimas, ainda tentando entender como exatamente conduzir aquele processo de divórcio, percebi uma verdade dura:
A advogada que eu precisava naquela fase ainda não existia.
E eu decidi me tornar essa mulher.
Decidi que, a partir daquela experiência, seria uma profissional diferente.
Foi nesse momento que nasceu a minha advocacia autoral.
A decisão de deixar o Direito Previdenciário e mergulhar no Direito de Famílias não foi apenas uma escolha profissional — foi uma decisão visceral.
Eu queria ser a profissional que eu precisei e não encontrei.
Queria ajudar outras mulheres a atravessarem seus processos de separação com dignidade, planejamento, estratégia — e, acima de tudo, com respeito à própria história.
Um Quase Casamento e o Nascimento do Plano de Fuga
Anos depois, mais madura, quase me casei novamente.
Mas parei antes de qualquer documento ser assinado, antes de qualquer mudança radical.
Devolvemos a aliança de noivado.
E essa foi uma das decisões mais corajosas da minha vida.
Ao não seguir adiante, compreendi que nada daquilo era sobre o outro.
Era sobre mim. Sobre a minha capacidade de dizer “não” a um projeto que não fazia sentido para a mulher que eu havia me tornado, e para aquela que ainda queria me tornar.
Foi aí que compreendi: o divórcio, nem mesmo a certidão averbada, nos garante liberdade alguma.
O verdadeiro recomeço exige um olhar profundo para dentro.
Não é o fim do casamento que transforma a vida. É o início de uma nova postura frente a ela.
Vergonha de Que, Mesmo?
Hoje, olho para trás com gratidão.
Pela dor que me fez crescer.
Pela vergonha que me ensinou empatia.
Pelas críticas que forjaram minha firmeza.
E por todas as mulheres que atendo diariamente — com olhos marejados e corações partidos, mas também com coragem e esperança.
Pelas mulheres que me buscam perdidas, sem enxergar uma luz no fim do túnel, e que, através do planejamento, descobrem que podem se reencontrar e acender sua própria luz.
Digo a elas, e agora digo a você, que me lê:
Está tudo bem ser divorciada.
Está tudo bem ter tentado.
Está tudo bem ter errado.
Está tudo bem não saber.
Está tudo bem não ter planejado.
Mas não está tudo bem continuar sem planejamento emocional, jurídico e patrimonial.
Isso, sim, é o que adoece de verdade.
O estado civil não define ninguém.
E o que os outros pensam nunca apagará o que você viveu.
As pessoas, muitas vezes, enxergam além do que imaginamos, mas só você conhece sua dor e sua força.
Um Final Que É Um Começo
Foi assim que, após dois divórcios e um quase casamento, nasceu o Plano de Fuga.
Um projeto autoral, feito para mulheres que precisam se preparar para sair de relações difíceis, mas também para entrarem melhor e mais conscientes em suas próximas histórias.
Uma advocacia feita com alma, que entende que jurídico e humano caminham juntos.
Se eu passei por tudo isso, é porque algo precisava mudar, não fora de mim, mas dentro de mim.
E hoje, posso afirmar com convicção:
o recomeço só é possível quando temos coragem de assumir quem somos e a vida que queremos viver.
Tatiana Fortes
Advogada de Famílias | OAB/RS 78.321
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