Ele ficou com os Bens, Mas e Você? Nesse caso a Justiça Reconhece o Direito aos Alimentos Compensatórios

Desequilíbrio patrimonial pós-divórcio: Como a justiça compensa quando um ex-cônjuge detém o controle exclusivo de bens rentáveis do casal

Este artigo analisa o instituto dos alimentos compensatórios como ferramenta para reequilibrar a situação econômica quando um dos ex-cônjuges mantém a posse e administração exclusiva de bens que geram renda após a separação. Através de casos julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apresentamos quando este direito é reconhecido e quando é negado, especialmente considerando o regime de bens escolhido pelo casal. A análise da decisão no Agravo de Instrumento Nº 5034877-02.2022.8.21.7000/RS demonstra que a escolha do regime de separação total de bens pode impedir futuros pedidos de alimentos compensatórios, evidenciando a importância do planejamento patrimonial nos relacionamentos.

Introdução

No contexto da dissolução conjugal, a partilha do patrimônio é uma das etapas mais sensíveis e complexas, especialmente quando um dos ex-cônjuges permanece utilizando, de forma exclusiva, bens que geram renda — como imóveis alugados ou empresas constituídas na constância da união. A dúvida que emerge é legítima: é possível pleitear alimentos compensatórios em razão do uso exclusivo desses bens rentáveis?
Este artigo tem como objetivo esclarecer o instituto dos alimentos compensatórios, abordando sua base legal, requisitos, jurisprudência dominante e decisões contraditórias nos tribunais. A análise é feita com base em decisões recentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ilustrando como os tribunais estão tratando a matéria — ora negando, ora reconhecendo o direito à compensação patrimonial.

O que são alimentos compensatórios?

Os alimentos compensatórios possuem natureza indenizatória, com a função de restaurar o desequilíbrio econômico gerado pelo fim da sociedade conjugal. São diferentes dos alimentos tradicionais (destinados à subsistência), pois não se baseiam na necessidade e possibilidade, mas na compensação pela fruição exclusiva dos bens comuns rentáveis por apenas um dos cônjuges.
Sua previsão legal encontra amparo no parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 5.478/1968, que autoriza o repasse de parte da renda líquida dos bens comuns administrados pelo devedor ao cônjuge credor, especialmente nos casos de comunhão universal de bens.

Jurisprudência: quando é possível e quando não é?

A jurisprudência do TJRS apresenta posicionamentos distintos, dependendo do estágio da partilha, do tipo de bem e da comprovação da renda.
Decisão que afasta os alimentos compensatórios em caso de regime de separação de bens
Em recente decisão do TJRS (Agravo de Instrumento Nº 5034877-02.2022.8.21.7000/RS), a 7ª Câmara Cível, sob relatoria da Des. Vera Lúcia Deboni, reformou decisão de primeiro grau que havia fixado alimentos compensatórios em favor de ex-companheira. O caso merece destaque por estabelecer importante precedente sobre a incompatibilidade dos alimentos compensatórios com o regime de separação total de bens.
Na ementa do acórdão, ficou estabelecido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. DESCABIMENTO, NA HIPÓTESE. 1. OS ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS TÊM POR FINALIDADE RESTABELECER O DESEQUILÍBRIO OCASIONADO PELA RUPTURA DA SOCIEDADE CONJUGAL, SENDO DEVIDOS QUANDO UM DOS CÔNJUGES TENHA PERMANECIDO NA POSSE EXCLUSIVA DOS BENS RENTÁVEIS AMEALHADOS E SUJEITOS A PARTILHA. 2. HAVENDO CONTRATO ESCRITO EM QUE AS PARTES ESTABELECERAM O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS, PRESUME-SE A INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUNICÁVEL, O QUE INVIABILIZA A FIXAÇÃO DE ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS EM SEDE DE TUTELA DE URGÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.”

No caso, o agravante demonstrou que as partes haviam firmado contrato de união estável elegendo o regime da separação de bens, fato que havia sido omitido pela ex-companheira ao ajuizar a ação. A Desembargadora Relatora destacou em seu voto que:
“Para a fixação de alimentos compensatórios há que se demonstrar a existência de patrimônio comum, partilhável, bem como que os bens que compõem esse patrimônio produzem renda (frutos civis) e que aquele que postula a fixação da verba esteja alijado de sua usufruição.”
Tendo em vista a existência de contrato escrito estabelecendo o regime de separação de bens, a Relatora concluiu pela “inexistência de patrimônio comunicável”, o que inviabilizou a fixação de alimentos compensatórios.
A decisão ressaltou a força do contrato escrito na união estável, afirmando que “a lei não exige instrumento público para a pactuação de regime de bens entre companheiros, bastando contrato escrito”, o que fortalece o princípio da autonomia privada nas relações familiares.

Decisão que afasta os alimentos compensatórios por bis in idem

Na Apelação Cível nº 5001439-65.2020.8.21.0109, a 7ª Câmara Cível do TJRS, também sob relatoria da Des. Vera Lúcia Deboni, negou o pedido de alimentos compensatórios feito por uma ex-companheira. A alegação era de que o ex-companheiro permanecia no imóvel comum e ainda recebia aluguel de parte dele. Contudo, como já havia sido deferido à autora metade do valor da locação, o tribunal entendeu que a concessão de alimentos compensatórios configuraria bis in idem. Além disso, reforçou-se que, enquanto não houver partilha homologada, vigora o estado de mancomunhão, o que inviabiliza qualquer indenização por uso exclusivo do bem.

Decisão que reconhece os alimentos compensatórios

Em contraste, na decisão de Agravo de Instrumento nº 5010995-11.2022.8.21.7000, a mesma 7ª Câmara Cível, também sob relatoria da Des. Vera Lúcia Deboni, deferiu parcialmente o pedido de alimentos compensatórios. No caso, a ex-esposa alegou que, após 33 anos de casamento sob regime de comunhão universal, ficou sem acesso ao patrimônio comum, incluindo uma empresa de transporte e imóveis comerciais, todos administrados exclusivamente pelo ex-marido.
O tribunal reconheceu que os requisitos estavam presentes: bens rentáveis, administração exclusiva por um dos cônjuges e desequilíbrio financeiro evidente. Assim, mesmo sem a finalização da partilha, o TJRS fixou alimentos compensatórios no valor de dois salários mínimos mensais até a efetivação da partilha.

Entendimento técnico: o que deve ser observado para pleitear alimentos compensatórios?

Para que o pleito seja juridicamente sólido, é fundamental que estejam preenchidos os seguintes requisitos:

  1. Regime de bens que preveja comunicação patrimonial (comunhão universal ou parcial de bens, com bens adquiridos em comum);

  2. Demonstração da posse exclusiva de bens comuns por um dos cônjuges;

  3. Comprovação de que os bens geram frutos civis ou renda (aluguéis, lucros empresariais etc.);

  4. Desequilíbrio patrimonial evidente, com prejuízo de subsistência ou queda significativa no padrão de vida do cônjuge afastado da administração dos bens.
    O indeferimento ocorre, geralmente, quando:
    • A partilha ainda não foi homologada (regime de mancomunhão);
    • Os bens não produzem renda ou são de uso exclusivo (ex: imóvel apenas habitado);
    • O cônjuge prejudicado já recebe parte dos frutos dos bens, o que caracteriza compensação prévia;
    • As partes estabeleceram regime de separação total de bens, conforme decisão do Agravo de Instrumento Nº 5034877-02.2022.8.21.7000/RS.

  5. Planejamento patrimonial: a solução preventiva

  6. A análise das decisões judiciais destacadas neste artigo revela uma verdade incontestável: o planejamento patrimonial é a forma mais eficaz de evitar disputas sobre alimentos compensatórios e outros conflitos patrimoniais em caso de dissolução conjugal.
    O casal que elabora um contrato de união estável ou um pacto antenupcial bem estruturado, escolhendo conscientemente o regime de bens mais adequado à sua realidade, previne litígios futuros e protege a autonomia de suas decisões. Mais importante ainda é a atualização desses documentos conforme ocorram mudanças significativas no patrimônio do casal ou nas diferentes fases do relacionamento.
    Essas conversas podem ser desconfortáveis – e por isso muitos casais as evitam – mas são fundamentais para preservar a saúde financeira e emocional de ambos em caso de separação. Quando o casal não planeja, está delegando ao Judiciário decisões importantes sobre seu futuro, com todos os custos emocionais, temporais e financeiros que um processo judicial acarreta.
    As mulheres, em particular, muitas vezes saem prejudicadas nessas disputas, pois frequentemente desistem de seus direitos para evitar desgastes prolongados, especialmente quando há filhos envolvidos. O planejamento patrimonial equilibrado protege ambas as partes e preserva o patrimônio construído, permitindo que, mesmo após o término da relação, os ex-cônjuges possam seguir suas vidas com dignidade financeira.

Conclusão

A análise do cabimento de alimentos compensatórios exige cuidado técnico, estratégia e profunda sensibilidade diante das desigualdades que o rompimento conjugal pode acentuar. Ainda que não haja consenso absoluto nos tribunais, as decisões apresentadas demonstram a direção que o Direito de Família está tomando em relação à reparação econômica de desequilíbrios patrimoniais.
A jurisprudência do TJRS revela dois pontos fundamentais: (1) a impossibilidade de alimentos compensatórios quando as partes escolheram o regime de separação de bens, e (2) a viabilidade da compensação quando comprovada a posse exclusiva de bens comuns rentáveis.
O mais prudente, contudo, é prevenir disputas através do planejamento patrimonial adequado. Casais que estabelecem acordos claros sobre seus bens, atualizando-os conforme necessário, demonstram maturidade e fortalecem a própria relação, baseando-a em transparência e respeito mútuo. Mesmo que o relacionamento venha a terminar, esses acordos garantem uma separação menos traumática e mais justa para todos os envolvidos.
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Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 5.478/1968 – Lei de Alimentos.
BRASIL. Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 5034877-02.2022.8.21.7000/RS, Rel. Des. Vera Lúcia Deboni, julgado em 18.03.2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 5001439-65.2020.8.21.0109/RS, Rel. Des. Vera Lúcia Deboni, julgado em 27.03.2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 5010995-11.2022.8.21.7000/RS, Rel. Des. Vera Lúcia Deboni, julgado em 30.04.2022.

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