Quando Obrigar o Filho a Visitar o Pai Deixa de Ser Justiça e Passa a Ser Violência

A jurisprudência do TJRS mostra que a imposição da convivência pode ser prejudicial ao bem-estar da criança. Entenda por que o plano de parentalidade precisa ser adaptado conforme as fases da vida dos filhos.

Introdução

No Direito de Famílias, o tema da convivência entre pais e filhos após o divórcio é um dos mais sensíveis e complexos, especialmente quando o menor expressa rejeição ao convívio com um dos genitores. A dúvida que muitas mães enfrentam é: até onde vai o dever de garantir a convivência com o pai, e em que ponto isso se torna uma imposição prejudicial à criança?

Neste artigo, vamos analisar uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que reformou uma ordem judicial que determinava a convivência forçada entre pai e filho, com imposição de multa à mãe em caso de descumprimento. A decisão baseou-se no princípio do melhor interesse do menor e reforça a necessidade de repensar as rotinas de visita quando há desajustes emocionais reais na dinâmica familiar.


O caso: uma convivência que virou trauma

A controvérsia surgiu após a fixação de um regime de convivência entre um pai e seu filho, homologado judicialmente em 2015, quando a criança tinha apenas 3 anos. Anos depois, já com 11 anos, o menino passou a se recusar a ir à casa do pai, especialmente após um episódio traumático envolvendo a atual companheira paterna.

A mãe, que vinha sendo responsabilizada pelo descumprimento do regime de conivência, apresentou provas e alegações demonstrando que a resistência partia do próprio filho, por motivos legítimos. Mesmo assim, o juízo de primeira instância determinou o cumprimento imediato da convivência, sob pena de multa diária de R$ 100,00.


A decisão do TJRS: o princípio da proteção integral como eixo da parentalidade

O Desembargador Leandro Figueira Martins, relator do Agravo de Instrumento nº 5114097-78.2024.8.21.7000/RS, reformou a decisão monocraticamente. Fundamentou-se em dois pilares jurídicos essenciais:

Fato superveniente

Conforme os artigos 525, §1º, VII, e 536, §4º, do CPC, é plenamente possível revisar a obrigação de fazer (no caso, a convivência) quando há modificação relevante nas circunstâncias. A cláusula rebus sic stantibus permite justamente isso: adaptar a realidade jurídica à realidade vivida.

Prevalência do melhor interesse da criança/adolescente

O relator reconheceu que forçar a convivência entre pai e filho, em meio a traumas emocionais, desajustes familiares e recusa expressa da criança, é uma medida que colide frontalmente com o princípio da proteção integral da infância e juventude.


A vivência da advocacia: quando a convivência vira obrigação, o vínculo se rompe

Com base na experiência prática da minha advocacia de famílias, posso afirmar com segurança que a convivência com uma criança, “ainda pequena” é inteiramente diferente da convivência com um pré-adolescente ou adolescente. Muitos pais não estão preparados para lidar com essa nova fase do desenvolvimento dos filhos, que exige escuta, flexibilidade e acolhimento emocional.

E pior: vejo com frequência pais que, ao invés de se adaptarem, preferem acusar as mães de estarem “fazendo a cabeça dos filhos”. Essa é uma alegação recorrente, mas que muitas vezes revela apenas a frustração de um pai que não se preparou para a mudança natural na forma de se relacionar com um filho em crescimento. Os pais não podem querer obrigar o convívio. Parentalidade não é imposição. É construção.

Além disso, não é raro que o pai entre em um novo relacionamento e falhe em incluir o filho do relacionamento anterior nesse novo núcleo familiar. Quando isso ocorre de forma negligente, a criança sente-se deslocada e rejeitada, e acaba rejeitando também o convívio.

Cabe muitas vezes à mãe, que já sustenta emocionalmente a rotina do filho, ainda atuar como ponte, tentando preservar um vínculo que deveria ser responsabilidade de ambos. Isso é sobrecarga. Isso é invisibilização do trabalho afetivo da maternidade.

O plano de parentalidade é, sim, uma excelente ferramenta para organizar os vínculos e rotinas de convivência, mas precisa ser revisto com responsabilidade ao longo do tempo. Uma criança só será criança por 12 anos. Quando chega a adolescência, o comportamento muda: ela já não quer tirar fotos, evita chamadas de vídeo e já não deseja os mesmos passeios de antes. Isso é normal, esperado e saudável.


Plano de Parentalidade, Escuta Emocional e Apoio Profissional: a tríade necessária

A saída, em muitos casos, está em um caminho mais estruturado e sensível. Elaborar um plano de parentalidade com responsabilidade emocional é um passo fundamental, mas ele precisa vir acompanhado de outras duas atitudes igualmente importantes:

  1. Apoio psicológico à criança, para que ela tenha espaço seguro para falar sobre seus sentimentos, medos e limites.

  2. Acompanhamento terapêutico ao genitor que se sente rejeitado, pois é muito comum que os pais tentem curar suas próprias dores e frustrações através dos filhos. Isso não apenas é injusto, como ineficaz e gera mais afastamento.

A parentalidade é um trabalho com a família inteira. Exige revisão constante, humildade, empatia e disposição para construir relações mais saudáveis, e não apenas seguir decisões judiciais como se fossem verdades absolutas.

O afeto não se impõe. A criança só permanece onde se sente amada, ouvida e respeitada.


Conclusão: respeitar a criança é o começo de qualquer convivência real

A decisão do TJRS é um marco necessário. Ela reforça que a convivência familiar só é saudável quando parte da espontaneidade, do respeito mútuo e da segurança emocional. Não se trata de abrir mão do convívio entre pai e filho, mas de reconhecer que isso não se constrói com imposições judiciais, e sim com responsabilidade afetiva, maturidade emocional e sensibilidade.

Se você está enfrentando dificuldades com o cumprimento de um regime de convivência que já não faz mais sentido para o seu filho, saiba que você tem respaldo jurídico para rever essa realidade. Não basta uma decisão judicial: é preciso que o poder familiar seja exercido com respeito, empatia e amor genuíno.


Quer revisar o regime de convivência do seu filho? Busque uma assessoria jurídica especializada.

Se você sente que o seu filho não está sendo ouvido, ou que o regime de convivência precisa ser atualizado com base na nova fase de vida dele, o plano de parentalidade é uma excelente saída. Você precisa analisar juridicamente seu caso e construir uma nova proposta de convivência que respeite o desenvolvimento emocional do seu filho e a sua dignidade como mãe.
👉 Acesse agora: https://tatifortes.adv.br


Bibliografia e Jurisprudência citada

  • TJ-RS – Agravo de Instrumento: 5114097-78.2024.8.21.7000. Rel. Des. Leandro Figueira Martins. Julgado em 19/04/2024. Disponível em: JusBrasil, acessado em 20 de abril de 2025.

  • Código de Processo Civil. Art. 525, § 1º, VII; Art. 536, § 4º; Art. 932, VIII.


Bibliografia

  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

  • Emenda Constitucional nº 66/2010

  • Código Civil Brasileiro

  • Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)

  • STJ – REsp 2.154.062/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/08/2024, DJe 30/08/2024

  • STJ – REsp 2.161.864/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/10/2024, DJe 21/10/2024

  • IBDFAM. Enunciados Doutrinários nº 18 e nº 45

Posts Similares